sábado, 15 de fevereiro de 2014

Quando a ironia com o "eterno retorno" brinda o futuro que não veio

Já falei, em minhas redes sociais e em diversas postagens, sobre a importância da leitura de intelectuais como Ortega y Gasset em dias atuais. Gasset aponta uma coisa interessantíssima: que o monopólio de um pensamento e a imposição de uma ideologia como fonte única da verdade acaba por fazer desaparecer o pensamento crítico, que pode - este sim! - apontar para caminhos melhores.

Um dos primeiros passos para impor o monopólio de pensamento (ao invés da criticidade) é a utilização da linguagem de forma "publicitária", como anuncia George Orwell em seu brilhante 1984 ao falar do totalitarismo sendo sustentado por uma "nova linguagem". Sendo esta – nas mãos do Grande Irmão - capaz de conceituar aprisionamento como liberdade, ódio como amor, e por aí vai...e qualquer um - absolutamente qualquer um! -  que questione o conceito estará ameaçado pelo discurso dominante.  Este se torna o mal a ser reeducado, quando não excluído, folclorizado, zombado, morto...

Assim, pela monopolização das virtudes, será possível chicotear (agora em sentindo metafórico) as costas do ser discordante para lhe ensinar o quanto o Estado totalitário é bom e o ama. Amor e compaixão de forma violenta e imposta. Sentimento lindo e nobre, não é mesmo?

Para isto, o poder contará com seu exército a estabelecer a nova linguagem. Financiando-o, inclusive, para as benesses propagandistas. O discurso politicamente correto – portanto – será apenas o disfarce da intolerância por meio de uma nova linguagem imposta em nome de um bem maior. Sempre o bem maior e o mundo mais justo.

Há casos em que os adoradores deste discurso criam problemas com a finalidade de apresentar soluções e se tornarem salvadores da pátria. Evitando e escondendo problemas reais. Como em algumas “tensões sociais”. Insuflam os desavisados e inocentes úteis em um discurso de ódio que sabe-se lá onde possa dar. Em alguns casos, na humilhação pública e aniquilamento do oponente.

No caso de aniquilar, não tardará a chegarmos nas aniquilações físicas mesmo, caso estes sintam que para livrar a sociedade futura do bem maior do mal presente seja preciso exterminar o inimigo.

Não faltam exemplos assim no mundo. Em que o progresso se impõem negando qualquer reação ou evidência de que  - usando uma expressão bem popular – a sequência dos fatos “vai dar em merda!”. A sucessão de regimes totalitários mostram isto no mundo, independente de suas cores e tonalidades ideológicas.

Neste universo, alguns seres “iluminados” são “alçados” à condição dos intelectuais que representam os interesses das massas. Sempre – como mostrava Ortega y Gasset – este senhor representante do politicamente correto será um ser vulgar sem qualquer tipo de interesse em tradições ou códigos morais, pois qualquer valor poderá ser exterminado do processo em nome de um bem maior, de uma causa, do progressismo. 

Este ser – o intelectual iluminado - sobe no próprio ego para receber o título de representante dos oprimidos. Assim, discursa por aqueles (e para aqueles) que não lhe deram qualquer tipo de procuração.

Se entre os seus “representados” existir alguém que o questione, o “novo intelectual engajado” acabará com toda e qualquer possibilidade de argumento, taxando o inimigo de alienado e despejará – de forma imediata – a chuva de jargões provenientes do politicamente correto e da nova linguagem que acima foi citada, que previamente foi espalhada pelas massas. Vencerá  o debate com a humilhação do inimigo. Orwell fala disto em seus romances. Gasset de forma genial em A Rebelião das Massas.

Os bem intencionados focam o poder. A manutenção do poder reside em – de maneira intolerante e cheia de subterfúgios – ficar eternamente apontando o norte para o futuro paradisíaco que não veio e – acreditem – não virá. Afinal, vale aqui usar do conceito do “eterno retorno” da filosofia de Nietzsche.

Vejam: das vezes em que o curso desta história “deu em merda”,  sempre se usou a mesma explicação, recorrendo às releituras: as ideologias foram deturpadas, dizem os santos.  

Desta forma, se pede perdão sentado numa massa de cadáveres; se reorganiza a frente de batalha e se anuncia o pedido de uma nova chance rumo ao futuro promissor. Mais uma vez, o mesmo discurso, o mesmo plano em andamento. Por que cargas d`água devemos então acreditar, por um exercício de futurologia mais duvidoso do que os feitos pela mãe Dinah, que ao invés de darmos de cara com a mesma merda, teremos agora um futuro diferente?

Vale lembrar de algo bem popular em meio tanta filosofia: gato escaldado deve ter medo até de água fria, quanto mais de uma panela que já foi colocada no fogo!

Eis que é o mesmo Ortega y Gasset que ressalta o que aqui é posto. Além disto, faz o alerta: o pseudointelectual – descrito acima – “não tem senso de tradição, propósito ou moralidade”.  Isto para não de dizer que quando engajado e financiado não possui sequer escrúpulos, pois soma premissas da realidade da maneira mais vil para apresentar conclusões falhas dentro de uma nova linguagem que tem muito mais compromisso com a militância que com a verdade.


Ortega y Gasset traz reflexões essenciais para os dias atuais de pensadores politicamente corretos,  de discursos inflamados, de um mundo líquido – como nos apresenta Zygmunt Bauman – cujo conteúdo toma forma de qualquer continente, bastando para isto as paredes. Paredes estas que podem ser erguidas pela manipulação da linguagem e pela desconstrução dos valores.