terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Sobre o bom debate...


Durante o ano de 2013 o curso Decisão – um dos locais onde trabalho – me possibilitou uma experiência fantástica. Um debate extremamente honesto com a professora Patrícia Pedri sobre as diversas visões ideológicas, política, militância, valores, dentre outros pontos ligados às concepções que temos e ao que chamamos de “filosofia de vida”.

Pedri d – com total certeza – diverge de mim em muita coisa, como se mostrou no debate. A recíproca é verdadeira. Minha admiração pela honestidade intelectual, pela excelente capacidade de argumentar, pelo quanto estuda, pela carga de leitura acumulada que a professora Patrícia Pedri possui é imensa. Acredito que ela nutra admiração e respeito por minha pessoa também. Mas isto não impede que sejamos discordantes.

Não impediu que abusássemos das ironias e das provocações em um debate que tive o orgulho e honra de participar. E isto com total e pleno respeito mútuo, repito. Se houve vencedores naquele dia, estes estavam na plateia. Foram alunos que após mais de uma de hora de réplicas e tréplicas nos abordavam – a mim e a Pedri – nos corredores em busca de livros que pudessem aprofundar o assunto que tinha sido discutido no dia.

Alguns mais inclinados ao que eu penso. Outros mais convictos das ideias de Pedri. Porém todos com a noção exata de que o debate, a divergência, a alternância na exposição dos argumentos rendeu crescimento pessoal. Naquele palco, distante de animosidade, não foi necessário nem espada, nem escudo. Uma sensação prazerosa de que – ainda que num microcosmo – o mundo caminha para frente. De dizer não à guerrilha ideológica, às patrulhas. De dizer sim a busca pela verdade, a busca de tangenciar esta verdade e de contribuir para – efetivamente – nos tornarmos pessoas melhores.

O exercício da humildade na aprendizagem e exposição dos saberes.

Mais conscientes do mundo em que vivemos, mais conscientes de nós mesmos, conscientes da liberdade dos outros. Um exercício, nos moldes do que diz Voltaire, sobre defender até a morte o direito ao contraditório. Muitas vezes me surpreendi ao ver Pedri usar meus autores preferidos justamente para tentar desconstruir meus argumentos, inclusive reconhecendo a seriedade de tudo que eu afirmava. Ela também deve ter se surpreendido em alguns momentos, quando fiz o mesmo no sentido inverso. Ela me desafiou a descer as escadas do pequeno palco reavaliando meus próprios conhecimentos, ainda que não tenha me feito mudar de convicções. Sai de lá melhor do que quando cheguei.

Por qual razão cito isto aqui? Para explicitar que quando entro em uma debate (no sentido nobre da palavra), entro em busca do saber. Como um curioso por natureza, que traz bagagem – evidentemente – mas tem a consciência de que sempre terá algumas malas vazias nas mãos em busca de mais. Infelizmente, em alguns momentos, este não tem sido o espírito de algumas discussões. Ao contrário do que aqui narro, se faz presente o sentimento de ódio, de guerrilha e de missão a ser cumprida: destruir o oponente em nome de um suposto “bem” maior, que seja partido, ideologia, ou causa.

Por vezes, a guerrilha despreza os fatos e os argumentos. Não podendo combater nenhum, nem o outro, se vai no coração do oponente. Tentando desqualificá-lo. Passo muito por isto quando, para tentarem desestabilizar o que eu digo, alguns seres patológicos que poderiam estar muito bem se alimentando de grama, ao invés das supostas leituras que fazem, tentam derrubar minhas palavras com uma única afirmação: “você faz parte de uma mídia burguesa a serviço do capitalismo. Logo, um vendido”. Uma informação mágica que tira o crédito de qualquer argumento possível sem que seja necessário analisá-lo. Chega a ser um método.

Já vi todo tipo de gente fazendo isto. Outro método é o tal do “não leia isso; não leia aquilo”. Ora, é sempre mais fácil destruir o argumento alheio impedindo que os outros tenham conhecimento completo deste.  Mais uma prática: se fazer de vítima, se defender do que não foi dito e escrito para  atacar aquilo que gostaria que escrito estivesse, ou dito fosse. Uma forma de enganar quem acompanha a discussão. Desprezível.

Outro dia, um aluno meu – ao saber que eu não era marxista e que sou totalmente crítico desta postura – me perguntou se era mesmo necessário ler Karl Marx. A minha resposta: “Claro que é necessário ler. Óbvio. Leia. Leia para ser marxista, leia para não ser. Vou torcer e sempre debater para que você não seja (risos). Mas leia. E depois leia quem concorda com ele e quem discorda. Faça o mesmo com quantos filósofos achar necessários, pois eu ainda estou muito longe de conseguir ler tudo que eu quero ler”.

Sempre acreditei que aquele que diz “não leia isto que é coisa do demônio” tem muito mais compromisso em iludir do que em esclarecer. Leia tudo, parta para o confronto de ideias e opiniões, mas respeite o próximo e saiba que nenhuma ideia vale uma vida, já diria o filósofo. Com o tempo, será mais fácil separar o joio do trigo. E você terá todo o direito de achar que este que aqui vos fala é o “joio”, mas de forma embasada, sem ódio, e sabendo respeitar a dimensão da minha liberdade de querer pensar livre, sozinho, sem um partido, sem um cacique, sem uma seta indicando para onde devo ir, o que devo fazer, a quem devo cultuar e por aí vai...que não estou te elegendo como um inimigo, mas apenas discordando de você.

E assim, saberás o quão sem caráter e o quanto se vendem por justamente aquilo que valem as pessoas que vivem a querer aniquilar o oponente. Muitas vezes, estas pessoas – com as pernas em total estado de tremedeira – sem conseguir refutar argumentos, projetam seus próprios defeitos no outro. Buscam aniquilar os oponentes na tentativa de exorcizarem os próprios fantasmas. Terminam mentindo tanto para si mesmo que se confundem – ao longo do tempo – e já não sabem quem são. Vivem da ilusão. Coitado daqueles – parodiando Platão – que avisar que elas estão em uma obscura e profunda caverna.

Serão mortos. Pois há um estágio em que a mentira que contamos para nós mesmos fica tão impregnada em nossa alma que vira um sentido para a existência. E aí qualquer luz nos ofende simplesmente pelo fato de que com o fim da escuridão passamos a enxergar o espelho. Fuja disto. Queira sempre a honestidade.

E não despreze os fatos em função de convicções ideológicas. É preciso entender o paralaxe presente no mundo.


Por fim, sou grato a Patrícia Pedri por ser destas pessoas extremamente honestas e generosas, capazes de ensinar e aprender. Em todo debate honesto ensinar e aprender será via de mão dupla sempre.

2 comentários:

  1. Estou aqui, parada com a mão na boca, amassando meus lábios, tentando pensar em alguma coisa legal para escrever sobre o o texto que acabo de ler. E as palavras sumiram. Logo eu que sempre falo sem parar, nem sempre algo inteligente, falo para acalmar essa vontade idiota de opinar sobre tudo. Logo eu que, por causa dessa vontade idiota, interrompi várias vezes o professor Luis Vilar no debate, demonstrando a minha falta de educação e o meu excesso de ansiedade. E eu, agora me calo. Não tenho muito a dizer diante de tanto respeito e carinho, senão OBRIGADA, A RECÍPROCA É VERDADEIRA!
    É claro que há um exagero nos elogios intelectuais que o professor Vilar gentilmente colocou em seu texto mas agradeço mesmo assim. Não sou, nem de longe, tudo isso, mas ainda chego lá. Mais uma vez obrigada e até o próximo debate!

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  2. Vilar , Patrícia queria dizer a todos que é um prazer enorme poder compartilhar momentos como esse e de ver o profissionalismo e o carácter dessas duas pessoas fantásticas. Fico grata por tê-los como meus professores para min foram mais que professores , são mestres que me ensinaram todos os dias formas de ver o mundo, apesar da divergência ideológica. Com Vilar aprendi a ler o meu oposto ideológico, a buscá-lo. E Patrícia fixou minhas bases e mostrou de forma mais clara a verdade( muitas vezes passada de forma fantasiosa de contos de fadas( " onde vc acorda de manha, e do nada , olha pro seu cachorro e fala quero fazer Revolução hoje" ) OBRIGADO! POR ME INSTIGAR A SER UMA PESSOA MELHOR !

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