quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Das minhas leituras, da minha pena, do meu ofício...


A prática do jornalismo e o hábito da leitura - na minha cabeça - estão extremamente associados. É impossível separar. Um jornalista que não possui o hábito da leitura em seu cotidiano, em minha humilde opinião, é como um cirurgião que possui total repúdio pelo uso do bisturi.

Ao não ler, o jornalista limita seu campo de visão de tal forma que - mesmo possuindo o domínio mínimo da língua - se torna um mero repassador do conteúdo se perdendo em interesses que não são o do jornalismo. Um inocente útil na mão de "fontes" que imprimem aos textos uma assinatura que não é a de quem de fato assina.

A leitura é processo fundamental na formação do jornalista. O domínio da língua (que não elimina erros, pois estes cometeremos sempre diante de uma série de circunstâncias) e as técnicas de redação não são elementos principais, apesar de extremamente importantes.

São apenas os mecanismos que dão fluidez ao pensamento para que ele seja compreendido de forma objetiva, clara, coesa, precisa, honesta e por aí vai uma série de adjetivos na mesma linha. A exposição do conteúdo que as traçadas linhas trazem depende - e muito! - deste hábito da leitura.

Jornalista precisa estudar, pesquisar, se debruçar sobre livros a todo momento. São ossos do ofício. Para alguns, um peso a se carregar. Para outros, um prazer. O fato é que não é possível a prática do jornalismo dissociada do estudo. Um eterno estudante, um eterno pesquisador, um eterno inconformado com o pouco que conhece da realidade (no micro e no macro). Se este espírito não estiver presente, estará presente nas redações um rabiscador de papéis, mas nunca um jornalista.

Um jornalista que se dá ao luxo de ser superficial diante dos temas que relata, diante dos fatos que retrata, abdica imediatamente de sua função. Neste ponto, a literatura se faz de fundamental importância. Ela nos reporta a mundos e experiências de vida que muitas vezes não viveremos na pele, mas ao ler tangenciamos desde sentimentos à argumentos que nos levam à reflexão.

A matéria-prima do jornalismo acaba sendo a mesma dos filósofos e dos historiadores. Com a diferença de que temos que tirar esta matéria-prima das ágoras, das discussões subjetivas, enxergá-la num cotidiano, no varejo... ao escrever sobre a realidade vivenciada dentro de um tempo objetivo, dentro de um recorte, selecionando informações, filtrando o essencial, em função do espaço físico pronto para contê-la.

Um desafio que por si só deixa claro o que penso sobre o jornalista que não tem o hábito da leitura. Já me deparei com estudantes de jornalismo que em entrevista de estágio afirmavam que não gostavam de ler. Os descartei de imediato. Nunca quis trazer estudantes assim para dentro das redações em que estive. Já me deparei com jornalistas que se orgulham de não "precisarem da leitura". Difícil de entender.

Já me deparei com jornalistas que me apontaram como arrogante por gostar de falar dos livros, por citá-los, por recomendá-los e buscar sempre recomendações de leituras. O que também é difícil - ao menos para mim - entender. Mas tenho visto gerações inteiras de jornalistas em formação que discutem com veemência filosofia, sociologia, história e literatura, com mais plurais visões, porém sempre pautadas por livros, estudos, enfim...isto me enche de alegria. Faço questão de participar.

Estar nestes ambientes é um abraço na alma. A sensação de que escolhi a profissão certa. De que os desafios cotidianos da profissão são retribuídos com o que há de melhor: o conhecimento, o saber.

Há quem ache que os que nestes espaços se encontram são arrogantes. Uma questão de lógica: arrogância é achar que você sozinho se basta. Que você sozinho é capaz de abraçar e compreender o todo, sem precisar confrontar informações e fontes. Do lado de cá, a humildade diante dos tesouros da humanidade: os bons livros. A humildade de estar eternamente em um processo de formação. Porque no jornalismo, não sou um jornalista. Estou sendo um jornalista. Porque o gerúndio dá sempre esta ideia mágica de continuidade e de ação acontecendo no momento em que se fala. De que se deixar esta ação parar, se perde tudo que já foi conquistado.

Se não fosse o hábito da leitura que desenvolvi, antes mesmo de chegar nestes 34 anos, eu já seria imbecil o suficiente para saber de tudo. Não sentiria de forma profunda o quão maravilhoso é a velha e batida sentença socrática do só se sabe que nada se sabe. Sempre que um estudante de jornalismo me pergunta o que é essencial para ser um bom jornalista, eu sou obrigado a responder: "abra livros. Leia livros. É o que eu continuo fazendo para tentar ser um bom jornalista".

Livros, meus amados livros, eis que estou aqui de joelhos. Rogo que perdoem estes que são tão humildes ao ponto de denunciarem a nossa arrogância do alto das certezas deles. O não-leitor sempre mede o mundo por única régua. Afinal, como ousamos nós... termos um hábito tão nocivo àqueles que já se contentam com a "verdade" mais próxima e teimam em pregá-la em nome de interesses, algumas vezes!, inconfessáveis, porém...humildes, humildes, humildes...

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Os 11 mais...

Sempre tive um pé atrás com as “listas dos 10, 20, 30 mais” e suas variantes. As mais bem elaboradas listas dos “melhores livros” e afins causam-me a seguinte impressão: concordo com as obras listadas, mas faltaram tantas outras...creio que deva até ser um sentimento bastante comum.

Porém, em um diálogo com minha esposa sobre estas relações – no momento em que ela me apresentava uma destas e indagava sobre algumas obras – Vanessa Alencar me fez a proposta: por que você não monta a sua lista? No momento eu pensei: serei eu mesmo a cometer injustiça com os grandes livros que vou deixar de fora? Logo em seguida fiquei pensando em critérios para a composição de uma lista.

O primeiro critério: quantas obras citar? Bem, escolhi 11 livros. Por qual motivo o número 11? Uma forma subversiva de lidar com o comum “Os 10 mais...”. Fiz questão de ser bem pessoal na escolha dos títulos. Por isto, muitos clássicos que acho essenciais – apesar deste adjetivo posto – não estarão aqui. Por fim, não listo de maneira ordinal: primeiro-melhor, segundo-melhor...e por aí vai. Para mim são obras igualmente importantes. Ah, e são apenas da literatura.

Mas a proposta da lista é muito interessante. Por isto aceitei. Todavia, caro leitor, você tem todo o direito e deve discordar. O objetivo aqui é apenas falar de alguns dos inúmeros maravilhosos livros da humanidade.

1 – O Lobo da Estepe de Herman Hesse: um romance ímpar em minha opinião que aborda as batalhas internas e as crises existenciais de todo ser humano ao se defrontar com a chamada “idade da razão”, ou “idade do lobo”. O confronto entre o lado homem e o lado lobo na obra de Hesse mostra o quanto vamos além da barreira do maniqueísmo.  Sem contar com a belíssima reflexão sobre o suicídio na melhor parte da obra: O Tratado do Lobo da Estepe.

2 – Fahrenheit 451 de Ray Bradbury: é simplesmente o clássico contra o totalitarismo e a intolerância. De maneira precisa, Bradbury mostra os métodos dos intolerantes para fazer prevalecer uma realidade favorável ao comando de poucos e se livrando do questionamento de muitos. Um mundo onde a ignorância esconde o óbvio e o perigo disto é revelado em Farenheit. Um clássico para se colocar ao lado de Admirável Mundo Novo de Huxley e 1984 e Revolução dos Bichos, ambos de George Orwell.

3 – A Revolta de Atlas de Ayn Rand: um livro extremamente influente na formação política de qualquer cidadão. A leitura de Ayn Rand vale por uma biblioteca inteira de ciências políticas. Além disto, o livro é uma aula de empreendedorismo e necessária para quem quer pensar mais sobre o papel de um governo, sem contar com a abordagem inteligente sobre corrupção, política, relações sociais, enfim...uma obra essencial em uma biblioteca. Sobre carregar o mundo nas costas...

4 – Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis: a genialidade de um mestre em seu melhor momento. O defunto-autor de Machado de Assis é um homem despido de qualquer convenção social para discorrer sobre tudo do auge da fina ironia. Uma autopsia do humano. Machado de Assis deveria ser leitura obrigatória dos cursos de psicanálise.

5 – O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde: os aparentes paradoxos contidos nos aforismos de Oscar Wilde são verdadeiros tapas na cara da existência. Diante de um espelho para enxergar a humanidade, eis o que provoca o quadro de Dorian Gray. Sem contar a sinergia entre os três principais personagens da obra formando – ao fim de tudo – uma única personalidade. A estética da obra e a beleza poética também merecem ser destacadas.

6 – Ulysses de James Joyce: demorei muito para chegar ao fim desse livro. Pela sua imensa quantidade de páginas e por ter iniciado em um período conturbado. Mas foi uma viagem que valeu muito a pena e indico. Aqui, a superação dos desafios para retornar ao que realmente se importa. A épica travessia moderna de Leopold Bloom revela muito do que é o “homem moderno”. Joyce também brinca com os estilos da Literatura.

7 – O Ano da Morte de Ricardo Reis de José Saramago:  o personagem principal é o famoso heterônimo do escritor Fernando Pessoa. O livro é uma homenagem aos heróis anônimos, como já colocou a estudiosa Ana Paula Arnaut. Mas é justamente isto. Traz uma discussão sobre o fascismo de pano de fundo. Para mim – que sou um fã de Saramago – estamos diante de sua melhor obra. Claro que poderia entrar nesta lista qualquer outro livro de sua autoria, até mesmo em homenagem a estética singular usada pelo escritor.

8 – O Livro do Desassossego de Fernando Pessoa: – uma viagem melancólica, depressiva, mas construtiva. Para mim, a obra foi – por diversas vezes – um reencontro com a alma (sem ser no sentido religioso). Fernando Pessoa ao se mostrar nesta obra de uma forma ímpar, pulando de um trapézio sem rede de proteção, fala muito sobre o leitor ao falar de si mesmo. Eis minha sensação.

9 – A Revolução dos Bichos de George Orwell: a melhor fábula da humanidade contra o pensamento totalitário. Isto já diz tudo. Acho o livro 1984 melhor em densidade, sobretudo pelo conceito de criação de uma nova língua para inverter a lógica dos fatos. Mas, Revolução dos Bichos – pela proposta – merece integrar qualquer lista de melhores obras da humanidade.

10 – Crime e Castigo de Dostoievsky: um livro que me deixou sem palavras (com perdão do trocadilho). Culpa, perdão, redenção, ambição...expostos da melhor forma pela literatura. Não é por acaso que li uma reportagem – dia desses – de um juiz que resolveu estimular a leitura de reeducandos. Começou por esta obra de Dostoievsky. Um livro denso, mas apaixonei-me de tal forma pela obra que li em dois dias. Não consegui largar. Depois reli algumas vezes. Sempre surgiu como um livro novo em minhas mãos.

11 – A Peste de Albert Camus: o livro do rompimento decisivo com o existencialismo proposto por Jean Paul Sartre (Idade da Razão poderia estar nesta lista, acreditem). Camus coloca a revolta individual e libertária em primeiro plano,  distanciando – desta forma – o existencialismo das correntes político-ideológicas derivadas do marxismo.  Como diz o próprio Camus: “não podemos ficar alheios ou distraídos”. Esta obra do final da década de 1940 fala muito sobre o sentimento de solidariedade e da condição humana.


Finalizo a lista com certeza de inúmeros injustiças cometidas com tantas obras maravilhosas da humanidade. Mas, é bem pessoal. Talvez se tiver que fazer esta lista novamente em alguns anos ela mude...quem sabe...risos

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Sobre o bom debate...


Durante o ano de 2013 o curso Decisão – um dos locais onde trabalho – me possibilitou uma experiência fantástica. Um debate extremamente honesto com a professora Patrícia Pedri sobre as diversas visões ideológicas, política, militância, valores, dentre outros pontos ligados às concepções que temos e ao que chamamos de “filosofia de vida”.

Pedri d – com total certeza – diverge de mim em muita coisa, como se mostrou no debate. A recíproca é verdadeira. Minha admiração pela honestidade intelectual, pela excelente capacidade de argumentar, pelo quanto estuda, pela carga de leitura acumulada que a professora Patrícia Pedri possui é imensa. Acredito que ela nutra admiração e respeito por minha pessoa também. Mas isto não impede que sejamos discordantes.

Não impediu que abusássemos das ironias e das provocações em um debate que tive o orgulho e honra de participar. E isto com total e pleno respeito mútuo, repito. Se houve vencedores naquele dia, estes estavam na plateia. Foram alunos que após mais de uma de hora de réplicas e tréplicas nos abordavam – a mim e a Pedri – nos corredores em busca de livros que pudessem aprofundar o assunto que tinha sido discutido no dia.

Alguns mais inclinados ao que eu penso. Outros mais convictos das ideias de Pedri. Porém todos com a noção exata de que o debate, a divergência, a alternância na exposição dos argumentos rendeu crescimento pessoal. Naquele palco, distante de animosidade, não foi necessário nem espada, nem escudo. Uma sensação prazerosa de que – ainda que num microcosmo – o mundo caminha para frente. De dizer não à guerrilha ideológica, às patrulhas. De dizer sim a busca pela verdade, a busca de tangenciar esta verdade e de contribuir para – efetivamente – nos tornarmos pessoas melhores.

O exercício da humildade na aprendizagem e exposição dos saberes.

Mais conscientes do mundo em que vivemos, mais conscientes de nós mesmos, conscientes da liberdade dos outros. Um exercício, nos moldes do que diz Voltaire, sobre defender até a morte o direito ao contraditório. Muitas vezes me surpreendi ao ver Pedri usar meus autores preferidos justamente para tentar desconstruir meus argumentos, inclusive reconhecendo a seriedade de tudo que eu afirmava. Ela também deve ter se surpreendido em alguns momentos, quando fiz o mesmo no sentido inverso. Ela me desafiou a descer as escadas do pequeno palco reavaliando meus próprios conhecimentos, ainda que não tenha me feito mudar de convicções. Sai de lá melhor do que quando cheguei.

Por qual razão cito isto aqui? Para explicitar que quando entro em uma debate (no sentido nobre da palavra), entro em busca do saber. Como um curioso por natureza, que traz bagagem – evidentemente – mas tem a consciência de que sempre terá algumas malas vazias nas mãos em busca de mais. Infelizmente, em alguns momentos, este não tem sido o espírito de algumas discussões. Ao contrário do que aqui narro, se faz presente o sentimento de ódio, de guerrilha e de missão a ser cumprida: destruir o oponente em nome de um suposto “bem” maior, que seja partido, ideologia, ou causa.

Por vezes, a guerrilha despreza os fatos e os argumentos. Não podendo combater nenhum, nem o outro, se vai no coração do oponente. Tentando desqualificá-lo. Passo muito por isto quando, para tentarem desestabilizar o que eu digo, alguns seres patológicos que poderiam estar muito bem se alimentando de grama, ao invés das supostas leituras que fazem, tentam derrubar minhas palavras com uma única afirmação: “você faz parte de uma mídia burguesa a serviço do capitalismo. Logo, um vendido”. Uma informação mágica que tira o crédito de qualquer argumento possível sem que seja necessário analisá-lo. Chega a ser um método.

Já vi todo tipo de gente fazendo isto. Outro método é o tal do “não leia isso; não leia aquilo”. Ora, é sempre mais fácil destruir o argumento alheio impedindo que os outros tenham conhecimento completo deste.  Mais uma prática: se fazer de vítima, se defender do que não foi dito e escrito para  atacar aquilo que gostaria que escrito estivesse, ou dito fosse. Uma forma de enganar quem acompanha a discussão. Desprezível.

Outro dia, um aluno meu – ao saber que eu não era marxista e que sou totalmente crítico desta postura – me perguntou se era mesmo necessário ler Karl Marx. A minha resposta: “Claro que é necessário ler. Óbvio. Leia. Leia para ser marxista, leia para não ser. Vou torcer e sempre debater para que você não seja (risos). Mas leia. E depois leia quem concorda com ele e quem discorda. Faça o mesmo com quantos filósofos achar necessários, pois eu ainda estou muito longe de conseguir ler tudo que eu quero ler”.

Sempre acreditei que aquele que diz “não leia isto que é coisa do demônio” tem muito mais compromisso em iludir do que em esclarecer. Leia tudo, parta para o confronto de ideias e opiniões, mas respeite o próximo e saiba que nenhuma ideia vale uma vida, já diria o filósofo. Com o tempo, será mais fácil separar o joio do trigo. E você terá todo o direito de achar que este que aqui vos fala é o “joio”, mas de forma embasada, sem ódio, e sabendo respeitar a dimensão da minha liberdade de querer pensar livre, sozinho, sem um partido, sem um cacique, sem uma seta indicando para onde devo ir, o que devo fazer, a quem devo cultuar e por aí vai...que não estou te elegendo como um inimigo, mas apenas discordando de você.

E assim, saberás o quão sem caráter e o quanto se vendem por justamente aquilo que valem as pessoas que vivem a querer aniquilar o oponente. Muitas vezes, estas pessoas – com as pernas em total estado de tremedeira – sem conseguir refutar argumentos, projetam seus próprios defeitos no outro. Buscam aniquilar os oponentes na tentativa de exorcizarem os próprios fantasmas. Terminam mentindo tanto para si mesmo que se confundem – ao longo do tempo – e já não sabem quem são. Vivem da ilusão. Coitado daqueles – parodiando Platão – que avisar que elas estão em uma obscura e profunda caverna.

Serão mortos. Pois há um estágio em que a mentira que contamos para nós mesmos fica tão impregnada em nossa alma que vira um sentido para a existência. E aí qualquer luz nos ofende simplesmente pelo fato de que com o fim da escuridão passamos a enxergar o espelho. Fuja disto. Queira sempre a honestidade.

E não despreze os fatos em função de convicções ideológicas. É preciso entender o paralaxe presente no mundo.


Por fim, sou grato a Patrícia Pedri por ser destas pessoas extremamente honestas e generosas, capazes de ensinar e aprender. Em todo debate honesto ensinar e aprender será via de mão dupla sempre.