Vejo Nicholas Carr como um excelente
pensador e analista do ciberespaço no qual fomos jogados e – obviamente – em seus
efeitos. Quando o assunto é internet, acredito que ele deu uma grande
contribuição para que pudéssemos pensar nossa relação com o consumo de
informações “fast-food” que este ambiente propicia, além das próprias redes
sociais. Para quem tiver interesse de ampliar o debate, indico o livro de Carr com
o título “A Geração Superficial: o que a Internet está fazendo com os nossos
cérebros”. É uma excelente obra!
Surpreendeu-me que ele fosse
citado por Mario Vargas Llosa em uma obra chamada A Civilização do Espetáculo.
O artigo de Llosa me levou à releitura de Carr. Mais surpreso ainda fiquei pelo
fato do pensamento de Llosa ser semelhante a um artigo que tinha escrito certa
vez sobre esta tal “geração superficial”. Claro, Llosa é bem melhor que eu em
sua reflexão. Mas, vou tentar aqui reproduzir o que tinha falado certa vez e
que tem bastante semelhança com o que é dito pelo escritor peruano.
Carr coloca uma coisa óbvia que
tem sido esquecida. Mais que consumir em uma nova plataforma alguns conteúdos
que chegam bem mais rápido e fácil, precisamos também avaliar de forma crítica
a interferência que esta plataforma possui sobre o conteúdo, para não nos
restringirmos somente a ela, achando que ali está a completude de nossa
formação intelectual em função da quantidade exacerbada de informação.
É preciso pensar de que maneira a
plataforma modifica o conteúdo, sobretudo em uma civilização que tende ao
espetáculo e que traveste toda informação com entretenimento; ditando, inclusive,
prioridades conforme o nível de entretenimento. Uma plataforma que resume o
complexo no facilmente absorvível para que tenhamos menos esforço, para que
percamos menos tempo, para que passemos a consumir mais informação, mas sempre
dentro do espetáculo audiovisual que as redes possuem a nos ofertar.
Claro que há o lado bom desta
evolução que vivenciamos. Nunca tivemos acesso a tantas ideias, a tantos
compartilhamentos, a tantas reflexões, enfim...isto é inegavelmente maravilhoso.
Porém, a instantaneidade e agilidade neste ciberespaço tem nos transformado em
péssimos leitores. Aquela atividade da leitura prazerosa, da solidão com o
livro, da reflexão sem pressa e sem pressão - que nos levava a uma viagem
enriquecedora - tem desaparecido. Sabemos muito sobre tudo, mas de maneira tão
superficial. Isto se observa na qualidade de opiniões que são lançadas por aí. Nas
contradições evidentes que dificilmente são detectadas por quem escuta, por
também ser furto do mesmo ambiente. A promoção da superficialidade. A
quantidade superou a qualidade.
Informar virou um ato pautado
pela espetacularização, onde todo mundo é poeta, atleta, intelectual,
humorista, se é tudo e especialista em tudo. Uma especialização que pode cair
diante do vento mais forte. Basta um sólido argumento.
Gostaria de esclarecer que sou um
entusiasta das redes e do quanto elas contribuem para a informação, mobilização
e democratização. Mas, me preocupa que este seja – sobretudo nos mais jovens –
o único caminho de formação e informação intelectual. Tem sido assim. Falar do
filósofo Aristóteles em sala de aula é despertar o interesse de jovens. Porém,
sempre me perguntam onde podem encontrar de forma resumida o principal da obra.
Lembro-me de uma frase de
Humberto Gessinger – o compositor gaúcho – quando canta: “o principal sempre
fica fora do resumo”. É meio que por aí. Além da ideia de Aristóteles, há a
estética de sua linguagem, o debate da formação da ideia, o processo na
construção do argumento que ensina também a argumentar, que nos faz crescer e
evoluir. O ambiente físico se sobrepõe neste sentido. Claro, vai nos cobrar
mais tempo. Será mais denso e não tem os atrativos da espetacularização.
Nicholas Carr começou a estudar a
internet neste viés de discussão que aqui travo quando percebeu que, após
consumir tanta informação na rede, tinha se tornado um péssimo leitor.
Indisciplinado, não conseguia manter a concentração e lia muito pouco. Não
conseguia se ater a um livro por um período considerável de tempo, pois sua
mente estava treinada para ser agitada. Quando a leitura era mais complexa, ele
a rejeitava. Parecia um hercúleo esforço intelectual. Carr – antes de enveredar
pelas redes – era um leitor voraz de bons livros.
Palavras dele: “perco a calma e o
fio da meada, começo a pensar em outra coisa para fazer. Sinto-me como se
estivesse sempre arrastando meu cérebro desconcentrado de volta para o texto. A
leitura profunda que costumava vir naturalmente transformou-se em um esforço”.
Logo, não há plataforma que seja
apenas um meio de veicular o conteúdo. Todas interferem de alguma forma. Há
plataformas que – naturalmente – tendem muito mais a superficialidade em função
da maneira como propõe o consumo. Outras, em função disto são mais densas e nos
cobram maior tempo e reflexão. Entretanto, nos presenteiam com um mundo
maravilhoso de descobertas, com a formação de valores, com maior senso-crítico,
com cultura (no sentido mais belo da palavra).
Não abandonemos isto. Saibamos
dosar o nosso tempo e as nossas fontes de informação. Que as futuras gerações
possam ter o prazer de navegar por Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust,
de forma integral; que possam mergulhar na densidade de um Dom Quixote (ainda
que em tempos pós-modernos todos saibam de quem se trata sem ter lido a obra);
que tenham acesso a Ulysses de Joyce; ao Homem Revoltado de Albert Camus e a
tantos outros essenciais para a inteligência dos debates que se travam de
maneira superficial das redes.
Não consigo entender a
valorização do “inculto” que assola o mundo de hoje. Não consigo entender a
visão da filosofia como perda de tempo. Não consigo conceber jovens afastados
da verdadeira literatura. Aquela com “L” maiúsculo que se faz sem a presença de
vampiros de quinta categoria, magos e outras bobagens. A informação fast-food
nos torna dispersos. Parece que enxergamos o principal por meio do resumo, mas
este ficou do lado de fora. E assim a gente segue, odiando a intelectualidade,
deblaterando sem sentido, com argumentos pífios, sem parar para pensar sobre os
140 caracteres que jogamos ao vento...
No mais, fica a dica: leiam
Nicholas Carr.