“E a visão plantada em meu cérebro ainda permanece dentro do som do
silêncio”. Essa frase é de uma canção –
Sound of Silence - de Simon and Garfunkel. É uma das minhas canções favoritas,
sobretudo nas versões mais calmas, quando se escuta cada corda de um violão e
por trás da canção sendo executada justamente “o som do silêncio”.
O
“som do silêncio” é a metáfora perfeita para as inquietações investigativas da
alma. Os momentos em que somos só nós mesmos em busca de caminho, razão,
sentido, raio de luz, direcionamento ou até mesmo um deus em meio ao caos. Olhar o mundo em busca de uma tradução.
Perguntaria Humberto Gessinger: “quem não precisa de uma versão, uma
tradução?”. (A frase do compositor gaúcho está no disco O Papa é Pop. A canção
chama-se Anoiteceu em Porto Alegre).
E o
som do silêncio traz tempestades. São mares bravios que quase ninguém enxerga.
Podemos estar sentados na mesa da sala de estar de olhar fixo na parede em
branco, mas ainda assim surfando as maiores ondas do Hawaii. Equilibrando-se na
prancha. Tentando enxergar o sentido do oceano sendo apenas gota do mar. Mas,
tangenciando filosofias orientais, o segredo do oceano pode estar contido na
gota. E se tiver, tenho a sugestiva impressão de que pode ser tangenciado com o
som do silêncio.
Lembro
de um personagem do Mia Couto. Ele sempre me vem a mente quando o assunto é
esse. Chama-se Mwanito e é chamado pelo pai de “o afinador de silêncios”.
Alguém que só com a presença consegue nos conectar com o som interno. Para nós, o alguém pode ser alguma coisa ou
algum lugar. O momento em que algo nos
coloca em sintonia com um olhar mais filosófico sobre as coisas. Falo de
filosofia em si e não da filodoxia, que necessita de uma série de citações de
livros e quilômetros de leitura com embasamento catedrático, universitário,
acadêmico e o escambau para responder metafisicamente o que o som do silêncio
nos revela.
Filosofia
é filosofia e ponto final! Filodoxia é para os fracos e nos mares bravios do
som do silêncio os fracos não possuem vez, se lançam fácil para cima das boias
materialistas. Neste ponto, é sempre mais fácil não ter crença alguma do que
crer em algo. Afinal, o que não precisa ser explicado, explicado está por
qualquer teoria convincente dita por alguém de óculos redondo e bigodinho. Eu sigo buscando nos mares bravios.
Estes
dias me deparei com um trecho de um livro do pensador Olavo de Carvalho que
muito falou de mim e dos questionamentos em dias de som do silêncio. Diz ele
assim: “aconteceu que, desde a adolescência, vendo-me sozinho, sem guiamento
num mundo confuso e nada acolhedor, logo entendi que, para não me perder de
todo, não tinha outro meio senão entrar em acordo comigo mesmo, encontrar logo
o centro da minha pessoa real e instalar-me ali com a modéstia mais singela e a
segurança absoluta de quem está senado no chão não cai”.
É
isto. É de uma humildade diante da sede de conhecer em ambiente adverso que me
comove profundamente. E ele ainda segue: “optei pela sinceridade interior não
por algum motivo moral elevado, mas por uma simples questão de sobrevivência
psíquica”. Eu digo: “idem”.
Foi
assim que os livros, as leituras e os momentos de reflexão se transformaram em
afinadores de silêncio. Foi assim que busquei escutar muito mais os filósofos
do que os que praticam a filodoxia. E aquele é “o crente sincero que faz seu
exame de consciência e confessa o que sabe de si mesmo e do mundo”, usando mais
uma vez uma referência ao escritor. Aquele que vai de encontro ao
questionamento, aquele que se busca e busca. Aquele que se despe das
identidades sociais para saber do eu.
O
saber não está na cristaleira da sala como frutas de cera. Nem na cristalização
dos livros da estante, com fórmulas e doutrinas. Está na capacidade de olhar
esse mundo, com tudo o que foi produzido, com o todo que nos é posto, no
sentido universal das experiências particulares reais que hão de se revelar
diante de tudo o que consumismo com os questionamentos que soam como as chaves
dentro do som do silêncio.
Afinal,
estamos cercados de tanta desonestidade intelectual, tanta bobagem midiática,
tanta mentira programada e orquestrada que se não encontrarmos espaço para em
silêncio sermos sinceros com nosso próprio eu, perderemos qualquer
sentido. Cabe a nós o silêncio, rogo
para que os meus sempre sejam assim.
Rogo para que eu sempre tenha na quietude de alguns momentos da vida a
inquietude da alma me mostrando que no palco da existência o papel que me cabe
é o de ser eu mesmo. E não há identidade
social a mim atribuída que seja maior do que esse papel.