quarta-feira, 26 de setembro de 2012

"Qual é a ideia que a maioria quer que eu defenda?"


Vivenciamos o momento da guerra eleitoral. Ideias engatilhadas? Que nada...na maioria da vezes, tudo é o trabuco da marketing, as músicas chicletes direcionadas a uma massa (no sentido de ser aquilo que se molda a uma ideia, que compra o que está posto sem maiores questionamentos), que vai no forró, no axé e na swingueira. Tá aí: eu queria ver um candidato eleito sem jingle e sem maquiagem...

Por isso, um dos livros que me marcou tanto foi o Ensaio Sobre a Lucidez do brilhante José Saramago. De tanto encarnado, de tanto azul, de tanto amarelo, de tanto arco-íris sem conteúdo algum, se deu a brancura: a galera foi às ruas e votou branco. Não defendo o voto nulo. Não é isso! É que são tão poucas as diferenças entre tanta coisa a se escolher, que me enoja os discursos comedidos, bonitinhos, parnasianos, metrificados pelo sabor das pesquisas qualitativas. 

Não se tem um candidato. Se constrói um candidato. Ele tem que caber na lacuna que as pesquisas apontam. A camisa de força costurada pelo bom vento da força dos números. Eu queria ter o prazer de ver aquele candidato que fala com propriedade sobre o que acredita, correndo o risco de ter sua ideia aceita ou não. Mas, esses caras falam para anestesiados corações turistas do oba-oba! Ensacados em estratégias e black-tie. 

Eu corro o risco de buscar pensar de forma diferente. De questionar. Eu corro esse risco. Corro na minha profissão, por exemplo, quando excedo regras, quando me liberto dos limites. Saber o que o meu leitor vai achar disto? Pouco me importa. Que ele chegue de forma sincera também ao debate. O maior respeito que eu tenho com o meu leitor é ser honesto intelectual de forma tal que não me conduza pelo que eles pensam, nem por suas expectativas. Espero que o leitor entenda isto. 

Tem versos de Humberto Gessinger que dizem assim: “Por que você não soa quando toca? Por que você não sua quando ama? Ninguém derrama sangue quando perde guerras de fliperama”. Como traduzem o nosso atual momento de escolhas. Como revelam as poucas diferenças entre tantos a escolher. Como reforça George Orwell: todos iguais, mas uns mais iguais que os outros. E a cada campanha, algo que se renova. Uma estratégia nova baseada em números. Adaptar sucessos radiofônicos que beiram a imbecilização em jingles...já é coisa do passado...

Eles respeitam tanto a nossa inteligência que já tratam debates como briga de torcidas organizadas. A consciência que se molda ao bolso. Massa que se molda. Aqui em Maceió, colégios e faculdades estão realizando debates de extrema importância entre os candidatos à administração municipal. É extremamente importante mesmo que se faça. É bom para a democracia. Enfim...

O debate aprofunda propostas, mostra diferenças entre os candidatos postos e até mesmo - em eventuais farpas trocadas - revelam quem é quem. Nas entrelinhas e no calor de um debate os projetos do marketing de campanha afundam muitas vezes. Não é - por acaso - que sempre surge a discussão obrigatória posterior ao debate: quem venceu? E abre-se mais uma rodada de debates, mas desta vez entre os eleitores. Se confirma voto, se reafirma, se muda, se decide, enfim...

Talvez, por conta deste peso, nos debates entre candidatos realizados pelas instituições muitas candidaturas estão comparecendo com a seguinte estratégia: o candidato é um time em campo e precisamos levar a torcida. As platéias são tomadas por torcidas organizadas e uniformizadas. Com hora de certa de aplaudir, de vaiar, de mandar ver...

Em um destes debates teve gente que até errou na coreografia do aplauso. Fez barulho antes do candidato começar a falar. Também - o que já deve ser invenção antiga - já teve torcedor assinando o ponto. Torcer virou profissão; ao menos em campanha. É a militância esperta cuja a consciência mora no bolso. E sou capaz de afirmar: muitos nem precisam de "usar o boné e professar a fé de quem patrocina"

Às vezes eu tenho medo de que, independente de quem ganhe, os eleitos sejamos nós...eleitos a continuar posando de vítimas no cenário que ajudamos a construir aceitando colheradas de um veneno goela abaixo, eleição após eleição, ano após ano, dia após dia...querer mudar? Querer assumir o risco do próprio destino? Pra que? Por quer? Quanto a querer algo? Bem, nós queremos tchu, queremos tcha! 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

As entrelinhas de um guardanapo


Eu tenho a mania de trabalhar solitariamente em cafeterias da cidade. Depois de apurada uma matéria, hora de procurar a xícara de café mais próxima e começar a dar vida a um texto. Em meio a este processo, eu rabisco guardanapos...o texto do jornal vai ganhando vida na tela do Mac; já outros textos vão ganhando vida em guardanapos.

Acho que os melhores planos do mundo nasceram em rabiscos de guardanapos. Sensação legal de subversão contra a majoritária corrente tecnológica. Coisa de maluco, como se estivéssemos fazendo planos para um novo mundo em uma caverna. 

Sempre penso que de um daqueles guardanapos pode sair a faísca para um grande livro que um dia eu vou lançar...bobagem, bobagem, bobagem! Os grandes livros nunca se fizeram. Mas, os guardanapos riscados possuem uma função importante. Às vezes de recarga no momento low battery. Hora de até um até logo no wi-fi; fechar-se em si mesmo. Vasculhar o que anda escondido. O que o escuro ilumina quando vão embora os holofotes do mundo. 

Aquela hora em que temos que ser metafóricos, pois chega de “literalmentes”. Há momentos em que o jardim ser só um jardim é “chato pra caralho” e a gente quer inventar umas fadinhas por ali. Sei, lá...versos em guardanapo para “desliteralizar” o mundo. Sempre me utilizei de ironias e metáforas, minha maior frustração é ter que explicá-las. E quase sempre estou fazendo isto. 

Mas, de volta aos guardanapos: eles abrem porta para uma sensação de liberdade. Quem me acompanha no Instagram deve observar que por vezes posto fotos de alguns destes pequenos pedaços de papéis rabiscados. Chegará o dia em que - em uma cafeteria - eu pagarei mais caro pelo guardanapo do que pelo café. “O café pode sair de graça senhor, como cortesia. Já o guardanapo, o senhor poderia passar por ali e deixar as córneas”.

Vivo esperando levar uma bronca dos garçons, do gerente, do dono do estabelecimento. Mas, os tempos de Procon me salvam. O consumidor tem sempre razão; ainda que a razão possa estar do lado de gente sem noção (às vezes). Duvida? Basta ter um bom marqueteiro e desprezar o mundo não-literal que nasce a partir dos...guardanapos...hehehe (essa metáfora foi longe; se você não entender a culpa é minha. Sou ruim demais com as palavras. As literais principalmente).

Mas, não se preocupem. Este tipo de texto invade guardanapos. Nunca, nunca, nunca jornais. Nos guardanapos qualquer palavra vira variação sobre um mesmo tema. Nos jornais, qualquer palavra é o mito da novidade, quando na verdade é mais do mesmo. 

Alguns destes rabiscos viram postagens no Facebook. Outros, no twitter. Outros, fotografia do Instagram (como já dito), outros pequenos bolinhos que vão parar no bolso da calça e são completamente estraçalhados quando esta vai para a máquina de lavar. Caraca, destruição de um universo paralelo contido no guardanapo? Pois é! 

Alguma vez um amigo me perguntou: por que tu não riscas os guardanapos que tu tens em casa? Ficar em casa mesmo riscando guardanapo e tomando café. Ter o trabalho de ir a uma cafeteria pra isto. No meu caso, meu amigo, seria literal demais. Os guardanapos da minha casa são comprados com a finalidade de serem...guardanapos. Aí, fica sem graça demais. Eu gosto da subversão, oh yeah!!!! 


Fica um escrito em guardanapo:

Nem fudendo
(Luis Vilar)

Xicará de café
Manter a fé
Venha o que vier...

Evitar zona de conforto
Evitar parar antes de morto
Sabe-se lá qual será o porto

Qual será o cais?
Qual dia de paz?
Qual caos ou tempestade...
...presos a esta tal de liberdade?

A vida não vai parar
Para você se recuperar
Lá fora, o sol vai nascendo
O dia segue acontecendo
Desistir, então? Nem fudeeeeeeendo!

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O que vai dentro da garrafa?!


Leio Serena do Ian McEwan. É um livro desses que você começa a ler e não consegue parar. Alguns livros possuem essa caraterística e - ao meu ver - é algo que independente de ser uma genial leitura, ou uma literatura medíocre. Já li obras bem “menores” que me deixaram presos da primeira a última página, por exemplo...

Mas, voltando ao assunto: o livro de Ian McEwan traz uma personagem fantástica: Serena Frome, cuja paixão por Literatura a leva a desnudar o mundo e mostra uma fase que quase todo leitor (iniciante ou não) possui: a de achar que a cada página devorada o globo terrestre vai ficando mais ignorante, mais imbecilizado e preso sempre a discussões menores!

A incrível Serena é este tipo de personagem que usa os livros como lentes de aumento, janelas, portas, vias, estradas, automóveis, passagem, enfim...que enxerga no ato da escrita a possibilidade de sair construindo intersecções entre pensamentos que sabe-se lá onde vai chegar e de que forma vai chegar. 

O discurso do anti-comunismo adotado logo no primeiro capítulo mostra uma discussão que guarda isto nas entrelinhas. Não sei se é proposital do escritor, ou se são as minhas lentes de aumento, janelas, portas, vias, estradas, automóveis, passagem, links...enfim...mas, passei a observar Serena Frome por este ângulo.

Daí, lembrei do quanto o Conversas de Quinta - que pode mudar de nome em função da ausência de seu periodismo inicial - é para mim especial. Distante dos textos que me fazem ganhar a vida (no jornalismo), transformando letras em salário; o Conversas Quinta tem um lance diferenciado: é como pegar cada post destes que aqui se encontram, enrolar como se tivesse sido escrito em um pergaminho, colocar numa garrafa e lançá-lo ao mar. 

Acabei de lembrar que na internet se navega, né?! Termo propício. 

Pois bem, o lançar ao mar, sabe-se lá em que outra ilha este texto vai bater. Sabe-se lá como que tipo de lente de aumento ele vai se comportar. Sabe-se lá com que tipo de lente de aumento ele será escrito...não é mesmo?! Incrível literatura; amada literatura. Sempre pensei cá com meus botões: o mundo bem que pode ser dividido entre leitores e não-leitores. A literatura desperta, por vezes de forma tão cruel - se pensarmos que a ignorância em alguns casos é vista com benção - que já quis sim estar ao lado dos não-leitores.

Mas, do dilatar da alma, quando ela se estende ao ponto de ser maior que o corpo; ao ponto de ser um oceano onde toda literatura deságua, não há mais volta. É sem retorno. Vamos firmes, na nau dos leitores. De onde - a cada texto - lanço mais uma garrafinha ao mar, com mensagem que não tem objetivo, mas a qual pode ser dada objetivo por quem lê, com carinho, com afinco, com desprezo, com desdém, com ódio, com ternura, com sabe-se lá qual emoção. 


Literatura é assim! Dentro de uma história precisa, quantas linhas nos levarão a imprecisões...a pensamentos suspensos, a contemplações...

Serena Frome não existe, mas o livro de Ian McEwan criou uma ponte entre eu e a personagem. Por sinal, a literatura é essa ponte entre almas. Quando entro em sala de aula para falar de literatura para os estudantes sempre fico torcendo para despertar neles a paixão que eu sinto por este universo. Como se da nau dos leitores eu tentasse pescar não-leitores. É possível? Não sei...mas, vamos continuar lançando garrafas ao mar...

Um dia quem sabe eu  coloco uma pergunta - destas que apertam a alma e a enche de incertezas - em uma destas garrafinhas, lanço ao mar e - por coincidência ou não - alguém coloca a resposta em outra garrafa e eu acabo encontrando em um rio, cujas margens podem ser interligadas por esta ponte...quem sabe?!

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Ser(+)tão profundo


O Sertão do Estado de Alagoas foi sempre um lugar que me encantou por demais. Vejo uma beleza sem igual nas paisagens ainda quando em tempos ásperos. A varanda da casa de meu pai era prenuncio de madrugadas. Eu ali acordado com papel e caneta: sair tirando poemas da tinta vermelha da caneta, como se estivesse compondo versos com sangue em meio ao frio sertanejo; que castiga, que faz tremer de verdade. E assim, o papel - que aceita toda e qualquer coisa! - era preenchido até o amanhecer do dia, com a chegada da neblina. 
No fim das contas, não sabia se tremia em função do frio ou pela viagem pelo que andava escondido dentro de si mesmo. 

Eis os dias em que o Sertão soava ser tão profundo, ressaltava as cores da solidão em paradoxos brilhantes como o lirismo áspero da paisagem; a ingenuidade inteligente do matuto, a simplicidade sofisticada da vida sem outra preocupação que não o sentido da própria vida.

Foi numa viagem ao Sertão que - aos 16 anos de idade - li Aurora do filósofo alemão Nietzsche. Foi numa ida ao Sertão que li - um ano depois - O Lobo da Estepe de Hermann Hesse. Livros pelos quais guardo um especial carinho até esta data. 

Sem contar que numa das últimas idas ao Sertão - já eu mesmo no comando do carro - notava a sutileza de mudança do agreste para os campos sertanejos ao som de Todo Cambia de Mercedes Sosa. De fato a certeza de que tudo muda, até as paisagens em suas estações, até a estrada, até a viagem que nunca é sempre a mesma, apesar da mesma rota. 

E se Todo Cambia, que eu mude não é estranho, “grita” Sosa em meu ouvido no exato momento em que o agreste vira Sertão. A casa por lá não tem mais meu pai. Fica a maior parte do tempo fechada desde seu falecimento. 

O cotidiano apressado nos prende à capital. Preocupações que parecem imensas e - no entanto - são secundárias viram âncoras e passamos sem perceber sutilezas que são questão bem maiores na vida. Eu não vou muito ao Sertão, mas aquela sensação de solidão investigativa que aprendi na varanda da fazenda não sai de mim. 

Há um Sertão aqui dentro. Há um áspero lirismo por aqui, que muda conforme estações, que se submete às reflexões em busca do que anda escondido dentro de si mesmo. Que se interroga sobre o mundo “e sua vontade de representação” que encara a seca a espera da chuva e vai se molhar - quando ela chega! - valorizando o sabor de cada pingo de água. 

Há ainda por aqui os questionamentos como base no “ser e o nada”; esse existencialismo; esse lado gauche das “sete faces” do Carlos Drummond de Andrade; das cores que ficavam mais vivas quando o silêncio e o frio do Sertão eram companhia e cobertor das madrugadas. Não sei se algum outro maluco no mundo devota à geografia de um lugar um importante papel em sua formação intelectual. Mas, eis que eu confesso que o “maluco” aqui faz isto e com nostalgia.

Podem acreditar, o Sertão pode ser tão profundo...

sábado, 1 de setembro de 2012

Ecce Homo?! Esses mitos...


Vivemos um mundo de mitos. Cada qual com seu totem e sabe-se lá qual é a reza. Mitos nascem e caem ao sabor de ventos epicuristas. Nada muito profundo, nada muito na veia e toda fotografia que se faça do momento que seja cheia de efeitos photoshop ou filtros. 

Eu sempre preferi o lema “sem filtros, na veia”. Por isto tenho voltado a ler Nietzsche ultimamente. Dois livros em especial: A genealogia do Bem e do Mal e Crepúsculo dos Ídolos. Impressionante como soam atuais, mesmo precisando de eventuais releituras afastando da figura de Nietzsche o próprio mito que o intelectualismo babaca faz dele. 

Enfim, até hoje é tão incompreendido o filósofo bigodudo quando ele fala da morte de deus. Mas, isso é papo para outro texto. É só um parênteses.

Mas, como falei no início, o texto de hoje é sobre o mitos. Ou melhor, sobre a necessidade de fugir do mito da novidade imposta pelo mundo contemporâneo. O mito - ou os que se fazem ou foram feitos mitos - são capazes de conjugar autoritarismo e liberdade numa mesma frase sem que ninguém perceba.

A famosa piada do professor que entra em sala e diz: “Hoje vamos falar sobre Democracia”. O aluno que não se intimida pelo mito indaga: “por qual razão professor?”. O mestre responde: “Porque eu quero!”. Quem enxerga a ironia contida no diálogo? Pois, é assim. 

O mito faz coisas semelhantes e ainda é aplaudido. É o bem e o mal para quem tem a preguiça mental de enxergar a genealogia dos valores. Para quem tem preguiça mental de ir no Aurélio saber o que é genealogia e encaixar o significado de forma a entender a metáfora.

Isto sem falar quando os mitos são celebridades. Lembro que a palavra lembra célebre, que por sua vez lembra cérebro. Mas, ultimamente a ligação é com Bunda, Burrice e outros “bbb”s por aí à fora. 

Antes a construção do mito era a mentira bem contada, agora basta o flash e a vitrine? É isso...?

Bah, talvez eu seja mesmo mais um idiota fora do compasso...

Eu fico me perguntando, quem são as vacas de A Fazenda? Cada dia me parece que elas são as que não estão de quatro pés. Mas, chegará o tempo que se alimentará do mesmo capim.

Esta semana uma ex-mulher de um cantor de pagode virou heroína. Eu sei que o vocábulo heroína pode lembrar drogas...mas, não foi este o sentido. Apesar das informações em relação ao episódio serem epicuristicamente anestésicas. E lá se vão os idiotas: ajoelhem-se diante do mito, idiotizem-se diante do mito, aplaudam a burrice do mito, batam punheta para o mito...

Bah, talvez eu seja mesmo mais um idiota fora do do compasso! 

E é nesse mundo que surgem os clichês que nos vendem nos prometendo originalidade! Na boa, eu confesso: estou fora do rock colorido, dos livros de auto-ajuda, dos romances orientais, do artesanal pré-fabricado, acho Crepúsculo a pior merda que já escreveram, acho ridículo cantorzinho mordendo morcego em show, não sei qual é a graça diante de tanta espetacularização da arte quanto até versos parnasianos soam mais sinceros...e por aí vai...

No mais, uma nota de rodapé: eu tenho medo de heróis. Eles usam capas e máscaras e ficam acima do bem e do mal. Só aí, motivos suficientes para temer.