sábado, 15 de fevereiro de 2014

Quando a ironia com o "eterno retorno" brinda o futuro que não veio

Já falei, em minhas redes sociais e em diversas postagens, sobre a importância da leitura de intelectuais como Ortega y Gasset em dias atuais. Gasset aponta uma coisa interessantíssima: que o monopólio de um pensamento e a imposição de uma ideologia como fonte única da verdade acaba por fazer desaparecer o pensamento crítico, que pode - este sim! - apontar para caminhos melhores.

Um dos primeiros passos para impor o monopólio de pensamento (ao invés da criticidade) é a utilização da linguagem de forma "publicitária", como anuncia George Orwell em seu brilhante 1984 ao falar do totalitarismo sendo sustentado por uma "nova linguagem". Sendo esta – nas mãos do Grande Irmão - capaz de conceituar aprisionamento como liberdade, ódio como amor, e por aí vai...e qualquer um - absolutamente qualquer um! -  que questione o conceito estará ameaçado pelo discurso dominante.  Este se torna o mal a ser reeducado, quando não excluído, folclorizado, zombado, morto...

Assim, pela monopolização das virtudes, será possível chicotear (agora em sentindo metafórico) as costas do ser discordante para lhe ensinar o quanto o Estado totalitário é bom e o ama. Amor e compaixão de forma violenta e imposta. Sentimento lindo e nobre, não é mesmo?

Para isto, o poder contará com seu exército a estabelecer a nova linguagem. Financiando-o, inclusive, para as benesses propagandistas. O discurso politicamente correto – portanto – será apenas o disfarce da intolerância por meio de uma nova linguagem imposta em nome de um bem maior. Sempre o bem maior e o mundo mais justo.

Há casos em que os adoradores deste discurso criam problemas com a finalidade de apresentar soluções e se tornarem salvadores da pátria. Evitando e escondendo problemas reais. Como em algumas “tensões sociais”. Insuflam os desavisados e inocentes úteis em um discurso de ódio que sabe-se lá onde possa dar. Em alguns casos, na humilhação pública e aniquilamento do oponente.

No caso de aniquilar, não tardará a chegarmos nas aniquilações físicas mesmo, caso estes sintam que para livrar a sociedade futura do bem maior do mal presente seja preciso exterminar o inimigo.

Não faltam exemplos assim no mundo. Em que o progresso se impõem negando qualquer reação ou evidência de que  - usando uma expressão bem popular – a sequência dos fatos “vai dar em merda!”. A sucessão de regimes totalitários mostram isto no mundo, independente de suas cores e tonalidades ideológicas.

Neste universo, alguns seres “iluminados” são “alçados” à condição dos intelectuais que representam os interesses das massas. Sempre – como mostrava Ortega y Gasset – este senhor representante do politicamente correto será um ser vulgar sem qualquer tipo de interesse em tradições ou códigos morais, pois qualquer valor poderá ser exterminado do processo em nome de um bem maior, de uma causa, do progressismo. 

Este ser – o intelectual iluminado - sobe no próprio ego para receber o título de representante dos oprimidos. Assim, discursa por aqueles (e para aqueles) que não lhe deram qualquer tipo de procuração.

Se entre os seus “representados” existir alguém que o questione, o “novo intelectual engajado” acabará com toda e qualquer possibilidade de argumento, taxando o inimigo de alienado e despejará – de forma imediata – a chuva de jargões provenientes do politicamente correto e da nova linguagem que acima foi citada, que previamente foi espalhada pelas massas. Vencerá  o debate com a humilhação do inimigo. Orwell fala disto em seus romances. Gasset de forma genial em A Rebelião das Massas.

Os bem intencionados focam o poder. A manutenção do poder reside em – de maneira intolerante e cheia de subterfúgios – ficar eternamente apontando o norte para o futuro paradisíaco que não veio e – acreditem – não virá. Afinal, vale aqui usar do conceito do “eterno retorno” da filosofia de Nietzsche.

Vejam: das vezes em que o curso desta história “deu em merda”,  sempre se usou a mesma explicação, recorrendo às releituras: as ideologias foram deturpadas, dizem os santos.  

Desta forma, se pede perdão sentado numa massa de cadáveres; se reorganiza a frente de batalha e se anuncia o pedido de uma nova chance rumo ao futuro promissor. Mais uma vez, o mesmo discurso, o mesmo plano em andamento. Por que cargas d`água devemos então acreditar, por um exercício de futurologia mais duvidoso do que os feitos pela mãe Dinah, que ao invés de darmos de cara com a mesma merda, teremos agora um futuro diferente?

Vale lembrar de algo bem popular em meio tanta filosofia: gato escaldado deve ter medo até de água fria, quanto mais de uma panela que já foi colocada no fogo!

Eis que é o mesmo Ortega y Gasset que ressalta o que aqui é posto. Além disto, faz o alerta: o pseudointelectual – descrito acima – “não tem senso de tradição, propósito ou moralidade”.  Isto para não de dizer que quando engajado e financiado não possui sequer escrúpulos, pois soma premissas da realidade da maneira mais vil para apresentar conclusões falhas dentro de uma nova linguagem que tem muito mais compromisso com a militância que com a verdade.


Ortega y Gasset traz reflexões essenciais para os dias atuais de pensadores politicamente corretos,  de discursos inflamados, de um mundo líquido – como nos apresenta Zygmunt Bauman – cujo conteúdo toma forma de qualquer continente, bastando para isto as paredes. Paredes estas que podem ser erguidas pela manipulação da linguagem e pela desconstrução dos valores.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Das minhas leituras, da minha pena, do meu ofício...


A prática do jornalismo e o hábito da leitura - na minha cabeça - estão extremamente associados. É impossível separar. Um jornalista que não possui o hábito da leitura em seu cotidiano, em minha humilde opinião, é como um cirurgião que possui total repúdio pelo uso do bisturi.

Ao não ler, o jornalista limita seu campo de visão de tal forma que - mesmo possuindo o domínio mínimo da língua - se torna um mero repassador do conteúdo se perdendo em interesses que não são o do jornalismo. Um inocente útil na mão de "fontes" que imprimem aos textos uma assinatura que não é a de quem de fato assina.

A leitura é processo fundamental na formação do jornalista. O domínio da língua (que não elimina erros, pois estes cometeremos sempre diante de uma série de circunstâncias) e as técnicas de redação não são elementos principais, apesar de extremamente importantes.

São apenas os mecanismos que dão fluidez ao pensamento para que ele seja compreendido de forma objetiva, clara, coesa, precisa, honesta e por aí vai uma série de adjetivos na mesma linha. A exposição do conteúdo que as traçadas linhas trazem depende - e muito! - deste hábito da leitura.

Jornalista precisa estudar, pesquisar, se debruçar sobre livros a todo momento. São ossos do ofício. Para alguns, um peso a se carregar. Para outros, um prazer. O fato é que não é possível a prática do jornalismo dissociada do estudo. Um eterno estudante, um eterno pesquisador, um eterno inconformado com o pouco que conhece da realidade (no micro e no macro). Se este espírito não estiver presente, estará presente nas redações um rabiscador de papéis, mas nunca um jornalista.

Um jornalista que se dá ao luxo de ser superficial diante dos temas que relata, diante dos fatos que retrata, abdica imediatamente de sua função. Neste ponto, a literatura se faz de fundamental importância. Ela nos reporta a mundos e experiências de vida que muitas vezes não viveremos na pele, mas ao ler tangenciamos desde sentimentos à argumentos que nos levam à reflexão.

A matéria-prima do jornalismo acaba sendo a mesma dos filósofos e dos historiadores. Com a diferença de que temos que tirar esta matéria-prima das ágoras, das discussões subjetivas, enxergá-la num cotidiano, no varejo... ao escrever sobre a realidade vivenciada dentro de um tempo objetivo, dentro de um recorte, selecionando informações, filtrando o essencial, em função do espaço físico pronto para contê-la.

Um desafio que por si só deixa claro o que penso sobre o jornalista que não tem o hábito da leitura. Já me deparei com estudantes de jornalismo que em entrevista de estágio afirmavam que não gostavam de ler. Os descartei de imediato. Nunca quis trazer estudantes assim para dentro das redações em que estive. Já me deparei com jornalistas que se orgulham de não "precisarem da leitura". Difícil de entender.

Já me deparei com jornalistas que me apontaram como arrogante por gostar de falar dos livros, por citá-los, por recomendá-los e buscar sempre recomendações de leituras. O que também é difícil - ao menos para mim - entender. Mas tenho visto gerações inteiras de jornalistas em formação que discutem com veemência filosofia, sociologia, história e literatura, com mais plurais visões, porém sempre pautadas por livros, estudos, enfim...isto me enche de alegria. Faço questão de participar.

Estar nestes ambientes é um abraço na alma. A sensação de que escolhi a profissão certa. De que os desafios cotidianos da profissão são retribuídos com o que há de melhor: o conhecimento, o saber.

Há quem ache que os que nestes espaços se encontram são arrogantes. Uma questão de lógica: arrogância é achar que você sozinho se basta. Que você sozinho é capaz de abraçar e compreender o todo, sem precisar confrontar informações e fontes. Do lado de cá, a humildade diante dos tesouros da humanidade: os bons livros. A humildade de estar eternamente em um processo de formação. Porque no jornalismo, não sou um jornalista. Estou sendo um jornalista. Porque o gerúndio dá sempre esta ideia mágica de continuidade e de ação acontecendo no momento em que se fala. De que se deixar esta ação parar, se perde tudo que já foi conquistado.

Se não fosse o hábito da leitura que desenvolvi, antes mesmo de chegar nestes 34 anos, eu já seria imbecil o suficiente para saber de tudo. Não sentiria de forma profunda o quão maravilhoso é a velha e batida sentença socrática do só se sabe que nada se sabe. Sempre que um estudante de jornalismo me pergunta o que é essencial para ser um bom jornalista, eu sou obrigado a responder: "abra livros. Leia livros. É o que eu continuo fazendo para tentar ser um bom jornalista".

Livros, meus amados livros, eis que estou aqui de joelhos. Rogo que perdoem estes que são tão humildes ao ponto de denunciarem a nossa arrogância do alto das certezas deles. O não-leitor sempre mede o mundo por única régua. Afinal, como ousamos nós... termos um hábito tão nocivo àqueles que já se contentam com a "verdade" mais próxima e teimam em pregá-la em nome de interesses, algumas vezes!, inconfessáveis, porém...humildes, humildes, humildes...

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Os 11 mais...

Sempre tive um pé atrás com as “listas dos 10, 20, 30 mais” e suas variantes. As mais bem elaboradas listas dos “melhores livros” e afins causam-me a seguinte impressão: concordo com as obras listadas, mas faltaram tantas outras...creio que deva até ser um sentimento bastante comum.

Porém, em um diálogo com minha esposa sobre estas relações – no momento em que ela me apresentava uma destas e indagava sobre algumas obras – Vanessa Alencar me fez a proposta: por que você não monta a sua lista? No momento eu pensei: serei eu mesmo a cometer injustiça com os grandes livros que vou deixar de fora? Logo em seguida fiquei pensando em critérios para a composição de uma lista.

O primeiro critério: quantas obras citar? Bem, escolhi 11 livros. Por qual motivo o número 11? Uma forma subversiva de lidar com o comum “Os 10 mais...”. Fiz questão de ser bem pessoal na escolha dos títulos. Por isto, muitos clássicos que acho essenciais – apesar deste adjetivo posto – não estarão aqui. Por fim, não listo de maneira ordinal: primeiro-melhor, segundo-melhor...e por aí vai. Para mim são obras igualmente importantes. Ah, e são apenas da literatura.

Mas a proposta da lista é muito interessante. Por isto aceitei. Todavia, caro leitor, você tem todo o direito e deve discordar. O objetivo aqui é apenas falar de alguns dos inúmeros maravilhosos livros da humanidade.

1 – O Lobo da Estepe de Herman Hesse: um romance ímpar em minha opinião que aborda as batalhas internas e as crises existenciais de todo ser humano ao se defrontar com a chamada “idade da razão”, ou “idade do lobo”. O confronto entre o lado homem e o lado lobo na obra de Hesse mostra o quanto vamos além da barreira do maniqueísmo.  Sem contar com a belíssima reflexão sobre o suicídio na melhor parte da obra: O Tratado do Lobo da Estepe.

2 – Fahrenheit 451 de Ray Bradbury: é simplesmente o clássico contra o totalitarismo e a intolerância. De maneira precisa, Bradbury mostra os métodos dos intolerantes para fazer prevalecer uma realidade favorável ao comando de poucos e se livrando do questionamento de muitos. Um mundo onde a ignorância esconde o óbvio e o perigo disto é revelado em Farenheit. Um clássico para se colocar ao lado de Admirável Mundo Novo de Huxley e 1984 e Revolução dos Bichos, ambos de George Orwell.

3 – A Revolta de Atlas de Ayn Rand: um livro extremamente influente na formação política de qualquer cidadão. A leitura de Ayn Rand vale por uma biblioteca inteira de ciências políticas. Além disto, o livro é uma aula de empreendedorismo e necessária para quem quer pensar mais sobre o papel de um governo, sem contar com a abordagem inteligente sobre corrupção, política, relações sociais, enfim...uma obra essencial em uma biblioteca. Sobre carregar o mundo nas costas...

4 – Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis: a genialidade de um mestre em seu melhor momento. O defunto-autor de Machado de Assis é um homem despido de qualquer convenção social para discorrer sobre tudo do auge da fina ironia. Uma autopsia do humano. Machado de Assis deveria ser leitura obrigatória dos cursos de psicanálise.

5 – O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde: os aparentes paradoxos contidos nos aforismos de Oscar Wilde são verdadeiros tapas na cara da existência. Diante de um espelho para enxergar a humanidade, eis o que provoca o quadro de Dorian Gray. Sem contar a sinergia entre os três principais personagens da obra formando – ao fim de tudo – uma única personalidade. A estética da obra e a beleza poética também merecem ser destacadas.

6 – Ulysses de James Joyce: demorei muito para chegar ao fim desse livro. Pela sua imensa quantidade de páginas e por ter iniciado em um período conturbado. Mas foi uma viagem que valeu muito a pena e indico. Aqui, a superação dos desafios para retornar ao que realmente se importa. A épica travessia moderna de Leopold Bloom revela muito do que é o “homem moderno”. Joyce também brinca com os estilos da Literatura.

7 – O Ano da Morte de Ricardo Reis de José Saramago:  o personagem principal é o famoso heterônimo do escritor Fernando Pessoa. O livro é uma homenagem aos heróis anônimos, como já colocou a estudiosa Ana Paula Arnaut. Mas é justamente isto. Traz uma discussão sobre o fascismo de pano de fundo. Para mim – que sou um fã de Saramago – estamos diante de sua melhor obra. Claro que poderia entrar nesta lista qualquer outro livro de sua autoria, até mesmo em homenagem a estética singular usada pelo escritor.

8 – O Livro do Desassossego de Fernando Pessoa: – uma viagem melancólica, depressiva, mas construtiva. Para mim, a obra foi – por diversas vezes – um reencontro com a alma (sem ser no sentido religioso). Fernando Pessoa ao se mostrar nesta obra de uma forma ímpar, pulando de um trapézio sem rede de proteção, fala muito sobre o leitor ao falar de si mesmo. Eis minha sensação.

9 – A Revolução dos Bichos de George Orwell: a melhor fábula da humanidade contra o pensamento totalitário. Isto já diz tudo. Acho o livro 1984 melhor em densidade, sobretudo pelo conceito de criação de uma nova língua para inverter a lógica dos fatos. Mas, Revolução dos Bichos – pela proposta – merece integrar qualquer lista de melhores obras da humanidade.

10 – Crime e Castigo de Dostoievsky: um livro que me deixou sem palavras (com perdão do trocadilho). Culpa, perdão, redenção, ambição...expostos da melhor forma pela literatura. Não é por acaso que li uma reportagem – dia desses – de um juiz que resolveu estimular a leitura de reeducandos. Começou por esta obra de Dostoievsky. Um livro denso, mas apaixonei-me de tal forma pela obra que li em dois dias. Não consegui largar. Depois reli algumas vezes. Sempre surgiu como um livro novo em minhas mãos.

11 – A Peste de Albert Camus: o livro do rompimento decisivo com o existencialismo proposto por Jean Paul Sartre (Idade da Razão poderia estar nesta lista, acreditem). Camus coloca a revolta individual e libertária em primeiro plano,  distanciando – desta forma – o existencialismo das correntes político-ideológicas derivadas do marxismo.  Como diz o próprio Camus: “não podemos ficar alheios ou distraídos”. Esta obra do final da década de 1940 fala muito sobre o sentimento de solidariedade e da condição humana.


Finalizo a lista com certeza de inúmeros injustiças cometidas com tantas obras maravilhosas da humanidade. Mas, é bem pessoal. Talvez se tiver que fazer esta lista novamente em alguns anos ela mude...quem sabe...risos

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Sobre o bom debate...


Durante o ano de 2013 o curso Decisão – um dos locais onde trabalho – me possibilitou uma experiência fantástica. Um debate extremamente honesto com a professora Patrícia Pedri sobre as diversas visões ideológicas, política, militância, valores, dentre outros pontos ligados às concepções que temos e ao que chamamos de “filosofia de vida”.

Pedri d – com total certeza – diverge de mim em muita coisa, como se mostrou no debate. A recíproca é verdadeira. Minha admiração pela honestidade intelectual, pela excelente capacidade de argumentar, pelo quanto estuda, pela carga de leitura acumulada que a professora Patrícia Pedri possui é imensa. Acredito que ela nutra admiração e respeito por minha pessoa também. Mas isto não impede que sejamos discordantes.

Não impediu que abusássemos das ironias e das provocações em um debate que tive o orgulho e honra de participar. E isto com total e pleno respeito mútuo, repito. Se houve vencedores naquele dia, estes estavam na plateia. Foram alunos que após mais de uma de hora de réplicas e tréplicas nos abordavam – a mim e a Pedri – nos corredores em busca de livros que pudessem aprofundar o assunto que tinha sido discutido no dia.

Alguns mais inclinados ao que eu penso. Outros mais convictos das ideias de Pedri. Porém todos com a noção exata de que o debate, a divergência, a alternância na exposição dos argumentos rendeu crescimento pessoal. Naquele palco, distante de animosidade, não foi necessário nem espada, nem escudo. Uma sensação prazerosa de que – ainda que num microcosmo – o mundo caminha para frente. De dizer não à guerrilha ideológica, às patrulhas. De dizer sim a busca pela verdade, a busca de tangenciar esta verdade e de contribuir para – efetivamente – nos tornarmos pessoas melhores.

O exercício da humildade na aprendizagem e exposição dos saberes.

Mais conscientes do mundo em que vivemos, mais conscientes de nós mesmos, conscientes da liberdade dos outros. Um exercício, nos moldes do que diz Voltaire, sobre defender até a morte o direito ao contraditório. Muitas vezes me surpreendi ao ver Pedri usar meus autores preferidos justamente para tentar desconstruir meus argumentos, inclusive reconhecendo a seriedade de tudo que eu afirmava. Ela também deve ter se surpreendido em alguns momentos, quando fiz o mesmo no sentido inverso. Ela me desafiou a descer as escadas do pequeno palco reavaliando meus próprios conhecimentos, ainda que não tenha me feito mudar de convicções. Sai de lá melhor do que quando cheguei.

Por qual razão cito isto aqui? Para explicitar que quando entro em uma debate (no sentido nobre da palavra), entro em busca do saber. Como um curioso por natureza, que traz bagagem – evidentemente – mas tem a consciência de que sempre terá algumas malas vazias nas mãos em busca de mais. Infelizmente, em alguns momentos, este não tem sido o espírito de algumas discussões. Ao contrário do que aqui narro, se faz presente o sentimento de ódio, de guerrilha e de missão a ser cumprida: destruir o oponente em nome de um suposto “bem” maior, que seja partido, ideologia, ou causa.

Por vezes, a guerrilha despreza os fatos e os argumentos. Não podendo combater nenhum, nem o outro, se vai no coração do oponente. Tentando desqualificá-lo. Passo muito por isto quando, para tentarem desestabilizar o que eu digo, alguns seres patológicos que poderiam estar muito bem se alimentando de grama, ao invés das supostas leituras que fazem, tentam derrubar minhas palavras com uma única afirmação: “você faz parte de uma mídia burguesa a serviço do capitalismo. Logo, um vendido”. Uma informação mágica que tira o crédito de qualquer argumento possível sem que seja necessário analisá-lo. Chega a ser um método.

Já vi todo tipo de gente fazendo isto. Outro método é o tal do “não leia isso; não leia aquilo”. Ora, é sempre mais fácil destruir o argumento alheio impedindo que os outros tenham conhecimento completo deste.  Mais uma prática: se fazer de vítima, se defender do que não foi dito e escrito para  atacar aquilo que gostaria que escrito estivesse, ou dito fosse. Uma forma de enganar quem acompanha a discussão. Desprezível.

Outro dia, um aluno meu – ao saber que eu não era marxista e que sou totalmente crítico desta postura – me perguntou se era mesmo necessário ler Karl Marx. A minha resposta: “Claro que é necessário ler. Óbvio. Leia. Leia para ser marxista, leia para não ser. Vou torcer e sempre debater para que você não seja (risos). Mas leia. E depois leia quem concorda com ele e quem discorda. Faça o mesmo com quantos filósofos achar necessários, pois eu ainda estou muito longe de conseguir ler tudo que eu quero ler”.

Sempre acreditei que aquele que diz “não leia isto que é coisa do demônio” tem muito mais compromisso em iludir do que em esclarecer. Leia tudo, parta para o confronto de ideias e opiniões, mas respeite o próximo e saiba que nenhuma ideia vale uma vida, já diria o filósofo. Com o tempo, será mais fácil separar o joio do trigo. E você terá todo o direito de achar que este que aqui vos fala é o “joio”, mas de forma embasada, sem ódio, e sabendo respeitar a dimensão da minha liberdade de querer pensar livre, sozinho, sem um partido, sem um cacique, sem uma seta indicando para onde devo ir, o que devo fazer, a quem devo cultuar e por aí vai...que não estou te elegendo como um inimigo, mas apenas discordando de você.

E assim, saberás o quão sem caráter e o quanto se vendem por justamente aquilo que valem as pessoas que vivem a querer aniquilar o oponente. Muitas vezes, estas pessoas – com as pernas em total estado de tremedeira – sem conseguir refutar argumentos, projetam seus próprios defeitos no outro. Buscam aniquilar os oponentes na tentativa de exorcizarem os próprios fantasmas. Terminam mentindo tanto para si mesmo que se confundem – ao longo do tempo – e já não sabem quem são. Vivem da ilusão. Coitado daqueles – parodiando Platão – que avisar que elas estão em uma obscura e profunda caverna.

Serão mortos. Pois há um estágio em que a mentira que contamos para nós mesmos fica tão impregnada em nossa alma que vira um sentido para a existência. E aí qualquer luz nos ofende simplesmente pelo fato de que com o fim da escuridão passamos a enxergar o espelho. Fuja disto. Queira sempre a honestidade.

E não despreze os fatos em função de convicções ideológicas. É preciso entender o paralaxe presente no mundo.


Por fim, sou grato a Patrícia Pedri por ser destas pessoas extremamente honestas e generosas, capazes de ensinar e aprender. Em todo debate honesto ensinar e aprender será via de mão dupla sempre.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

FAZER (olha o VERBO!) Filosofia!


“Quem é jovem não espere para fazer filosofia; quem é velho, não se canse disso!”. A frase é de Epicuro. Está presente na Carta a Meneceu. Quem acompanha este blog sabe o quanto a temática da filosofia me atrai, mesmo sendo alguém distante – totalmente por fora mesmo! -do meio acadêmico. Por vezes, entre doutrinas e filodoxias, tenho a impressão de que entre os muros que formam a fortaleza da filosofia oficial e suas salas de aula fica justamente o local onde se filosofa menos. Onde se doutrina mais.

Tem doutor que se agarra ao título de pensador para fazer da filosofia uma religião e a sacrifica levando a vaidade ao altar. Lá se casam e procriam sofismos. Por sorte, surgem sempre os que versam sobre a essência da filosofia e retomam, reconstroem, mostram a ponte entre a filosofia e o cotidiano. Entre a filosofia e as nossas escolhas. O quanto ela está presente em nossos dias; o quanto faz parte do “mundo prático”.

Na formulação dos conceitos, na busca por essências, nas concepções de justiça, beleza, dentre outros temas. Sou fã dos escritores que rompem essas barreiras do academicismo e do doutrinamento para apresentarem ao grande público o que de fato é filosofia. Na França, o trabalho de Luc Ferry deve ser sempre aplaudido. Aprender a Viver é um clássico da filosofia moderna. Apesar do título – o que leva a muita gente a confundi-lo com livro de autoajuda (falo aqui do conceito das prateleiras das livrarias) no Brasil – a obra nos coloca em uma viagem pelo conhecimento que verdadeiramente liberta.

O bom debate em que o foco é a verdade. Ao contrário dos arrogantes seminários enlatados que disfarçam sua real intenção de doutrinar alunos em função de uma corrente ideológica, quando não político-partidária. Ferry é um escritor que ajuda a desintoxicar o pensamento. Mas, não se trata apenas dele. Não é o único! (Ainda bem).

Guardando as devidas proporções, o trabalho do professor Clóvis de Barros Filho também é admirável. O contato com sua obra abre links importantes para que revisitemos a filosofia clássica - especialmente Sócrates e Platão – com o foco de pensar as nossas vidas. Como o próprio Clóvis Barros Filho coloca: “pensar a vida boa”. Em “A Vida Que Vale A Pena Ser Vivida”, o convite que o professor universitário nos faz é desafiador. Buscar a essência do que nos cerca para então julgar o particular.

Clóvis de Barros Filho nos apresenta o caminho, jamais a resposta. O exercício da premissa socrática do “só sei que nada sei” dentro do cotidiano. “Querido leitor, proponho uma conversa”, abre o escritor, em períodos onde tanta gente “mostra” a verdade. Há academias inteiras empurrando uma visão dicotômica de mundo como se filosofia isto fosse. Por isto, que em terreno infértil, as prateleiras de livrarias estão lotadas de obras que não dialogam com a realidade. Ou pior: vomitam suas dicotomias para se lançarem como salvadoras.

E por que é tão importante uma filosofia praticada com honestidade intelectual? Por qual razão ela precisa estar presente em nosso cotidiano? Pela razão pela qual sempre esteve. Por isto é importante. Todos nós procuramos uma vida boa. Sem pensar para viver – convite que é feito por todos os filósofos do mundo – mergulharemos em vidas superficiais regidas apenas pelo pêndulo do “desejo” e do “prazer”, confundindo o próprio prazer com a felicidade.

Decretando, como diria Jean Paul Sartre, o suicídio do prazer toda vez que saciado o desejo. Uma existência menor, sem grandes questões a serem alcançadas. O dinheiro pelo dinheiro. O prazer pelo prazer. Uma eterna adolescência tão bem fornecida – como coloca Mário Vargas Llosa - “pela sociedade do espetáculo”. Seriamos sombras e sobras em uma caverna, fazendo alusão ao filósofo Platão, por exemplo.

Quem muito bem coloca isto é Santo Agostinho em uma conversa com Santa Mônica. “Se quer bens e os tem, és feliz. Se queres coisas más, ainda que as tenha, serás infeliz”, diz Mônica. Agostinho, então responde: “Mãe, alcançastes por completo o próprio refúgio da filosofia”. Vale a pena ler o diálogo completo em Diálogo Sobre a Felicidade.


Com uma linguagem mais acadêmica, quem nos empurra para o uso da filosofia de fato – e não como instrumento de laboratório dentro de academias e de maneira estéril! - é o mestre Miguel Reale. Introdução à Filosofia da Editora Saraiva é uma excelente obra para quem de fato quer fugir da filodoxia domesticada pelo proselitismo.

Como abri com Epicuro, finalizarei com ele: “por isso tanto o jovem quanto o velho devem FAZER (vejam bem o significado deste verbo) filosofia. Um para que, embora envelhecendo, permaneça sempre jovem de bens por causa do passado. O outro para que se sinta jovem e velho ao mesmo tempo, para que não tema o futuro”. Eu acrescentaria: para que não entreguemos o futuro de mão beijada para os que insistem para não pensarmos e somente acreditarmos neles.  

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Das leituras e seus links...

Não lembro – deve fazer muito tempo – de um período em que me dediquei tanto a estudos quanto nos meses de outubro e novembro deste ano. Saí em busca de respostas, voltei com mais dúvidas na bagagem. Entre as indagações, uma que ainda ecoa no silêncio: diante de tantos pontos de vista a serem esmiuçados, questionados, indagados, como é que tem gente com coragem o suficiente para arrotar tanta tristeza? São imaturos o suficiente para saberem de tudo! Aliás, possuem o ponto de vista sempre pronto para passar a vista em poucos pontos.

De preferência, aqueles pontos de vistas que sustentam – de uma forma pseudo-racional-argumentativa – o ódio passional que carregam e que os movem em direção sabe-se lá ao que...

O que me surpreende na atividade do estudo disciplinado – eu acredito que disciplina é liberdade! Acredito mesmo! - são os links que vão se abrindo na navegação (acho que posso usar esta palavra!) por entre páginas de livros. A leitura de Robert Gellately, por exemplo, me levou a releitura de George Orwell, que me levou a um estudo sobre os estoicos, que em seguida me levou ao mundo de Richard Dawkins, não pelo ateísmo, mas pela compreensão do homem do ponto de vista biológico.

Abre parênteses. Aliás, retirando a cruzada passional de Dawkins, há muito – muito mesmo! - para se aproveitar em seus escritos. Deus, um Delírio talvez seja o menor de seus livros. Fecha parênteses.

Por falar em links, lembro que a leitura de Dawkins me levou a honestíssimos pensadores cristãos – links e mais links! - como William Paley, Jonh Lennox e Karen Amstrong. Dois lados de uma mesma discussão, porém longe de serem apenas dois pontos de vista sobre um mesmo assunto. Uma lição de como praticar filosofia (na essência da palavra) sem as babaquices odiosas, cheias de passionalidade e causa, disfarçadas de racionalismo que acabam nos levando para a filodoxia.

Quem dera ter mais tempo para mergulhos mais profundos nestes caminhos que se abrem na viagem pelo universo das Letras. Com “L” maiúsculo mesmo. Antigamente, quando era criança o suficiente para saber de tudo, dispensei muitas leituras por puro preconceito. Hoje, tenho que correr atrás destes conhecimentos. Destas fontes. Ainda que siga discordando delas.

Foi o que aconteceu – por exemplo – com Stendhal. Conheci-o tardiamente (Mas nunca é tarde!). O mesmo se deu com o pensamento sobre o utilitarismo e a liberdade de Stuart Mill. Erros frutos de uma pueril certeza. Por sorte, a gente cresce o suficiente para descobrir que não sabe de tudo. Para entender o quanto é óbvia a sentença atribuída a Sócrates; é profunda e verdadeira: só sei que nada sei. Para entender o que de fato significa maiêutica e que, não é por acaso, se compara a um parto. Na dor e na luz. Nas fases da gestação e na beleza do nascimento.

Por esta razão, livros sempre foram sagrados para mim. Sempre os admirei profundamente. Sempre reverenciei escritores e procuro exercitar a humildade de ouvir. É preciso silêncio para detectar o que vale realmente a pena em meio a tanta gritaria. Uma tarefa que tem a ver com humildade. É preciso silêncio até o silêncio ser preciso. Lembro de uma expressão criada pelo escritor Mia Couto: “o afinador de silêncios”.

Não lembro o título do romance de Couto em que este personagem aparece. Mais uma bela história sobre a ponte entre o mundo e nós. Uma ponte formatada por experiências, leituras, reflexões, silêncios, links...e por aí vai! O que exponho e discuto aqui tem total correlação com a necessidade de abandonarmos o preconceito diante do diferente para então formarmos – de maneira humilde, mas pautados pela busca de conhecimento e da verdade – nossos conceitos.

Uma sociedade que transversaliza demais os seus valores em nome de tudo e todos, afogada na superficialidade, na gritaria e no “estardalhaço opinativo” antes de conhecer; uma sociedade da eterna espetacularização, ainda não saiu da adolescência. É o tal do imaturo que sabe de tudo. Com este não há o que discutir. Afinal, ele sabe de tudo por saber tão pouco. Quem sabe de tudo, sempre sabe muito pouco.

Há ainda entre estes “senhores das certezas” os que se arrogam intelectuais. Como diria o músico Lobão, a galera que vive batendo punheta de pau mole. É por aí...masturbação intelectual dos que falam para si ou para o seu grupo. Ou falam de forma obscurantista o suficiente para serem “inteligentes” diante de qualquer um que não tenha condições suficientes para desmascará-los. Gente muito supimpa e sempre interessada em acabar com os males da humanidade por meio da verborragia. Velho ditado: de boas intenções o inferno está cheio. Creio que o inferno – neste caso – nem precisa ser outro plano.

“Hey mãe, por mais que a gente cresça há sempre alguma coisa que a gente não consegue entender!”, já diria o músico Humberto Gessinger. Lembro de sempre cantarolar este trecho da música quando estava resolvendo os problemas de Física na escola (risos)! Lembrei disso ao ler a recente biografia de Stephen Hawking, quando ele falava sobre enxergar (encontrar!) uma teoria que abrace o todo.

Leiam meus amigos, leiam! Para saber que precisam sempre saber mais e o quanto se sabe pouco. Deixem essa história de “saber tudo” para quem de fato domina esta técnica ao não saber de nada. Ao não enxergar – e/ou construir – os links.